É um tipo específico de educação que parte do pressuposto que o afeto, enquanto um sentimento positivo, pode ser ensinado. Não só pode, como deve ser ensinado e, em especial, nas escolas.
“…não existem escolas para o amor. Todo mundo supõe que saberemos, instintivamente, como amar. Apesar de esmagadoras evidências contrárias, ainda aceitamos que a família é a escola primordial para o amor. (hooks, p. 38, 2021)
Qual a definição de afeto que a educação socioafetiva utiliza?
Na educação socioafetiva definimos o afeto da forma mais simples e instintiva possível, para que o entendimento da ideia central seja viável para todas as pessoas, não apenas os educadores e educadoras. Afeto aqui é tratado no seu sentido mais corriqueiro, como afeição, simpatia, carinho, da maneira que é correntemente utilizado nas conversas e práticas cotidianas.
De acordo com o dicionário Michaelis On Line, por exemplo, afeto se define em três significados:
1. Sentimento de afeição ou inclinação por alguém; amizade, paixão, simpatia.
Exemplo: "Aquela carta a revoltava muito; não […] pelo afeto que teria ao estudante, mas pelo ressentimento de seu amor-próprio ofendido" (AA2).
2. Ligação carinhosa em relação a alguém ou a algo; querença.
3. Psicol. Expressão de sentimento ou emoção, como amizade, amor, ódio, paixão, entre outros.
Exemplo: "O mundo lhe parecia vazio de afeto e de amor" (LB2)
Nota: Na educação socioafetiva, o conceito de afeto é utilizado nos sentidos 1 e 2, priorizando uma compreensão simples e acessível. Apesar de a psicologia e a psicanálise aprofundarem a complexidade do termo, essas discussões não fazem parte do foco da educação socioafetiva, que trata o afeto como afeição, simpatia e carinho, no contexto das práticas cotidianas e das interações humanas.
Porque além de fomentar práticas que tomem o afeto como um objeto a ser ensinado sistematicamente, nossa formação e experiência nas ciências sociais, em especial na sociologia, ressalta o tamanho da importância que a posição social tem nas vivências cotidianas de uma pessoa. Por isso SOCIOafetiva.
É indispensável estarmos atentos às características do grupo social no qual os indivíduos - especialmente as crianças - estão inseridos e como isso impacta nas oportunidades de sua vida cotidiana
O afeto e suas práticas tendem a ser diferentemente definidos e experienciados a depender do lugar social em que nos localizamos. Nesse sentido, a educação socioafetiva se preocupa em ensinar a reconhecer e entender esse lugar, levando em conta as origens e ancestralidades e buscando desvelar eventuais desigualdades, buscando construir coletivamente formas de combatê-las e mitigá-las.
Reiteramos, então, que marcadores sociais como gênero, raça, classe, entre outros, têm influência direta nas vivências do dia a dia e que isso deve ser tópico central numa formação em educação socioafetiva.
Sugestão para pensar: As experiências de afeto de uma menina branca seriam exatamente iguais às de uma menina negra? E de um menino indígena e um menino de uma grande cidade?
A necessidade de sistematizar esse novo “tipo” de educação, que me fez criar o conceito/prática da Educação Socioafetiva (ESA), veio como resultado das muitas experiências vividas nas minhas práticas como socióloga e educadora, mas, também da deliciosa posição de educanda/aprendiz na qual sempre me coloco.
Nunca foi um objetivo profissional previamente definido criar a ESA; foi mesmo a troca de conhecimentos e de experiências que me levou, como um rio, ao mar da educação socioafetiva.
Ocorre que, como socióloga, desde muito nova comecei a trabalhar com questões sociais, especialmente a desigualdade de gênero, estudando muita teoria e epistemologia feminista, para entender porque as vidas de meninas e mulheres tinham tantas “desvantagens” em relação aos meninos e homens. Nesse ínterim, comecei a me aprofundar nas questões mais gerais dos direitos humanos e, no decorrer da caminhada profissional fui parar numa série de projetos sobre educação, chegando até o chão da escola.
Nessa estrada, além das formações tradicionais (mestrado/doutorado), expandi meus conhecimentos por outros meios, passando a ser uma pessoa chamada para dar formações, dialogando sobre gênero, direitos humanos, juventude, escola etc...
E o que mais me ocorria (ocorre ainda) ao conversar e debater por aí sobre esses temas, era perceber como nem os nossos sistemas educacionais, nem as nossas famílias e nem os nossos amigos, nos ensinam, formalmente, de maneira deliberada, a gostarmos e respeitarmos a nós próprios e aos outros por meio do afeto. Não pela lei, nem pelas regras de conduta, mas pela construção deliberada de vínculos afetivos.
Ao mesmo tempo, observava como uma série de sofrimentos humanos, subjetivos e sociais, derivam da falta do afeto como elemento norteador das ações. O que tem em comum entre um ato grosseiro de racismo, uma violência transfóbica ou a “vontade” de atear fogo a um morador de rua? O que há em comum entre a baixa autoestima corporal generalizada entre as adolescentes, as diversas modalidades de bullying, ou o aumento do índice de suicídios entre jovens e crianças nos últimos 5 anos? Qual seria o poder do afeto nessas situações?
Eu, e outras e outros pensadores, nos demos conta de que há na sociedade uma aceitação tácita de que o afeto sempre será um sentimento espontâneo. Estamos aqui para dizer o contrário; o afeto pode (e deve) ser ensinado. E que esse ensino, a longo prazo, e numa ampla extensão, pode ter efeitos muito positivos na autoestima, na prevenção de uma série de violências, no fortalecimento de sistemas democráticos e na diminuição de problemas de saúde mental que têm se dado entre crianças, jovens e adultos.
Apesar de, sim, o afeto poder ocorrer de maneira espontânea, nosso principal objetivo é demonstrar como o ensino maciço e sistemático do afeto como elemento norteador da ação humana, tem poder de transformar as relações interpessoais, possibilitando sociedades (e escolas) mais saudáveis e felizes.
Socióloga de formação, entusiasta do poder transformador da educação, apaixonada por cachorros e por ouvir pessoas e suas histórias. Graduada em Ciências Sociais e doutora em Sociologia. Atua como pesquisadora de pós-doutorado no NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP. É integrante do PODHE (Projeto Observatório de Direitos Humanos em Escolas) e tem dado uma série de formações em educação socioafetiva principalmente em escolas, mas também para outros grupos interessados.
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